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Competência Legislativa no Direito Financeiro

  • Foto do escritor: Edilson Filho
    Edilson Filho
  • 8 de dez. de 2023
  • 9 min de leitura

Atualizado: 11 de dez. de 2023


Um parlamento debatendo a aprovação de normas de direito financeiro

I - COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE

Uma das questões mais relevantes no âmbito do direito financeiro é a definição da competência legislativa dos entes federativos para disciplinar as normas relativas à matéria financeira e orçamentária.

O art. 24 da Constituição Federal de 1988 estabelece que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito financeiro (inciso I) e orçamento (inciso II). No entanto, o parágrafo 1º do mesmo artigo determina que a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, cabendo aos Estados e Distrito Federal suplementar a legislação federal no que couber, respeitando os princípios e as diretrizes estabelecidos pela União, conforme expresso no parágrafo 2º do dispositivo constitucional.

Ademais, o parágrafo 3º do art. 24 da CF estabelece que, na ausência de uma lei federal estabelecendo normas gerais sobre um determinado assunto, os Estados têm plena competência legislativa. Isso significa que, se a União não tiver legislado sobre um assunto, os Estados podem criar suas próprias leis para atender às suas necessidades específicas. Cabe ressaltar que a superveniência de norma geral da União suspenderá a lei estadual editada anteriormente, nos termos do parágrafo 4º do dispositivo constitucional.

Vejam algumas questões de concursos anteriores relacionadas à competência concorrente para legislar sobre direito financeiro e orçamentário:

1.CESPE/Analista/TCE-PR/2014 - "A competência legislativa da União sobre direito financeiro limita-se ao estabelecimento de normas gerais." Essa questão foi considerada correta, pois a Constituição Federal, no artigo 24, inciso I, estabelece que compete à União, aos estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito financeiro. No entanto, o parágrafo 1º do mesmo artigo determina que a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. Isso significa que a União não pode invadir a autonomia dos estados e do Distrito Federal para legislar sobre questões específicas de direito financeiro, como por exemplo, a organização dos seus órgãos financeiros, a forma de elaboração e execução dos seus orçamentos, etc. Essas matérias ficam reservadas aos estados e ao Distrito Federal, desde que não contrariem as normas gerais fixadas pela União.

2.CESPE/Procurador/TCDF/2013 - "Um estado brasileiro pretende reorganizar seu sistema de finanças públicas, para melhorar a eficiência do planejamento e do gasto público; para isso, deverá, entre outras ações, modificar o aparato jurídico que ordena a matéria. Entretanto, o referido estado não poderá editar norma geral dispondo sobre orçamentos, diretrizes orçamentárias e plano plurianual." A questão está correta. Segundo o art. 24, II, da CF, a União define normas gerais sobre orçamento, enquanto os estados podem legislar de forma suplementar. No entanto, a União, por meio da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei nº 4.320/1964, já estabeleceu normas gerais dispondo sobre orçamentos, diretrizes orçamentárias e plano plurianual, impedindo a competência plena dos Estados (art. 24, §3º, da CF). Portanto, os estados não podem criar suas normas gerais sobre a matéria, mas apenas editar seus próprios orçamentos, diretrizes orçamentárias e planos plurianuais.

3.CESPE/PGE-BA/2014 - “Suponha que o estado X tenha editado norma ordinária acerca de matéria de direito financeiro, e que, logo após, tenha sido editada lei complementar federal contrária ao disposto na lei estadual. Nessa situação, a eficácia da lei estadual será suspensa no momento em que passar a viger a norma federal.” Essa questão está correta, pois se trata de um caso de conflito entre normas federais e estaduais sobre matéria de competência legislativa concorrente. Nesse caso, prevalece a norma geral da União, ficando a norma estadual suspensa nos termos do parágrafo 4º do art. 24 da CF.

Cabe registrar que o art. 24 da Constituição não menciona expressamente os municípios, o que gera uma controvérsia doutrinária sobre a existência ou não da competência concorrente dos municípios para legislar sobre direito financeiro. Há dois entendimentos principais sobre essa questão:

1.O primeiro entendimento, que é majoritário na doutrina, sustenta que os municípios têm competência concorrente para legislar sobre direito financeiro, mesmo que a Constituição não os cite no art. 24. Esse entendimento se baseia na interpretação sistemática da Constituição, que reconhece aos municípios a autonomia para organizar as suas finanças e o seu orçamento, conforme os arts. 29, XII, e 30, I e II. Assim, os municípios podem editar normas de interesse local sobre direito financeiro, bem como normas suplementares às normas gerais da União. Esse é o posicionamento adotado por autores como Ricardo Lobo Torres (Curso de Direito Financeiro e Tributário, 2019), José Maurício Conti (Direito Financeiro na Constituição de 1988, 2018) e José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 2019).

2.O segundo entendimento, que é defendido pelo professor Harrison Leite (Manual de Direito Financeiro, 2019, p. 76-77), afirma que os municípios não têm competência concorrente para legislar sobre direito financeiro, pois a Constituição não os incluiu no art. 24. Esse entendimento se fundamenta na interpretação literal da Constituição, que limita a competência concorrente aos entes federativos expressamente mencionados no art. 24. Assim, os municípios só poderiam editar normas sobre direito financeiro quando houver autorização expressa da Constituição ou de lei complementar federal.

Apesar da divergência doutrinária, prevalece a interpretação sistemática, inclusive para concursos públicos, pois ela é mais coerente com o princípio federativo e com a autonomia municipal garantida pela Constituição. Vejam algumas questões de concursos anteriores relacionadas ao direito financeiro e à competência legislativa dos municípios.

1.CESPE/PGE-AM/2016 - "A competência legislativa municipal suplementar não se estende ao direito financeiro, uma vez que o constituinte, ao tratar da competência concorrente para legislar sobre tal matéria, não contemplou os municípios." Esta afirmação foi considerada incorreta no gabarito oficial. A banca adotou a interpretação sistemática da CF, conforme a doutrina majoritária. Embora a CF não mencione explicitamente os municípios ao tratar da competência concorrente para legislar sobre direito financeiro, isso não significa que eles estejam excluídos. Os municípios têm competência para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal, o que inclui aspectos do direito financeiro.

2.CESPE/PGE-PI/2014 - "Ao tratar da competência concorrente para legislar sobre orçamento, a CF não se referiu aos municípios, estando a doutrina majoritária posicionada no sentido de que o constituinte silenciou-se, razão pela qual os municípios não podem reivindicar tal competência." Esta afirmação também foi considerada incorreta no gabarito oficial. A competência dos municípios para legislar sobre assuntos de interesse local inclui a capacidade de elaborar seu próprio orçamento. Portanto, mesmo que a CF não mencione explicitamente os municípios neste contexto, eles ainda têm essa competência.

3.CESPE/PGE-BA/2014 - "De acordo com a CF, os municípios podem legislar sobre direito financeiro, de forma concorrente com os demais entes da Federação." Esta afirmação foi considerada correta no gabarito oficial. Como mencionado anteriormente, os municípios têm competência para legislar sobre assuntos de interesse local, o que inclui aspectos do direito financeiro. Eles podem, portanto, legislar sobre esses assuntos de forma concorrente com a União e os estados.

A partir dessa competência concorrente, para além da competência suplementar, os entes federativos tem, logicamente, a competência para elaborar as suas próprias leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA), por se tratar de normas de interesse de cada um dos entes federativos.

II - LEI COMPLEMENTAR

Como visto, as normas gerais sobre direito financeiro e orçamento devem ser editadas pela União. Além disso, a Constituição ainda determina que tais normas gerais sejam regulamentada por meio de lei complementar. Dessa forma, caberá à União editar lei complementar para estabelecer normas gerais sobre diversas matérias relacionadas às finanças públicas, entre as quais podemos citar:

1.critérios e cálculos de rateio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do Fundo de Participação dos Estados (FPE), conforme o art. 161, incisos II e III, da Constituição Federal. Esses fundos são compostos por parcelas das receitas tributárias da União que são transferidas aos estados e aos municípios para garantir o equilíbrio federativo e uma maior autonomia financeira desses entes.

2.definição do valor adicionado para o cálculo do ICMS arrecadado em determinado município, conforme art. 161, inciso I, da Constituição Federal. O valor adicionado é uma medida econômica que representa o montante agregado a uma mercadoria ou serviço no âmbito de um município. Ele é calculado com base no valor das mercadorias produzidas e dos serviços prestados em seu território. Este valor é crucial para o cálculo do ICMS arrecadado em um município. Essa é uma questão que tem o potencial de gerar conflitos federativos entre estados e municípios, e exige uma uniformidade entre os entes. Por isso, a Constituição Federal atribui à Lei Complementar, que é editada pela União, a responsabilidade de estabelecer os critérios para calcular o valor adicionado para o cálculo do ICMS. Isso garante que haja um padrão uniforme em todo o país e ajuda a prevenir possíveis conflitos federativos.

3.normas gerais sobre finanças públicas (art. 163, I, da CF). Isso inclui regras sobre a elaboração e execução de orçamentos, controle de gastos, gestão fiscal, entre outros variados aspectos que envolvem a administração dos recursos públicos.

4.dívida pública, tanto externa (dívida com credores internacionais) quanto interna (dívida com credores nacionais), nos termos do inciso II do art. 163 da CF. Isso inclui a dívida das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público.

5.concessão de garantias pelas entidades públicas (art. 163, III, da CF). Isso se refere à garantia que o governo oferece em caso de empréstimos ou financiamentos.

6.emissão (criação) e o resgate (pagamento) de títulos da dívida pública  (art. 163, IV, da CF). Os títulos são uma forma de o governo captar recursos no mercado financeiro.

7.fiscalização financeira da administração pública, direta e indireta (art. 163, V, da CF).

8.operações de câmbio (compra e venda de moeda estrangeira) realizadas por órgãos e entidades públicas  (art. 163, VI, da CF).

9.normas para compatibilizar as funções das instituições oficiais de crédito da União, garantindo que elas possam operar plenamente e contribuir para o desenvolvimento regional (art. 163, VII, da CF).

10.normas para garantir a sustentabilidade da dívida pública (art. 163, VIII, da CF). Isso inclui a definição de indicadores para a apuração da dívida, a compatibilidade dos resultados fiscais com a trajetória da dívida, a trajetória de convergência do montante da dívida com os limites definidos em legislação, medidas de ajuste, suspensões e vedações, o planejamento de alienação de ativos para reduzir o montante da dívida.

11.definição de aspectos importantes para a elaboração das leis orçamentárias, nomeadamente o exercício financeiro, aa vigência, os prazos, a elaboração e organização de tais normas (art. 165, §9º, I, da CF).

12.normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta, indireta e requisitos para intitução e funcionamento de fundos públicos (art. 165, §9º, II, da CF).

13.definição de critérios objetivos e equitativos para execução de emendas parlamentares impositivas, quando houver algum impedimento para a execução da totalidade dessas emendas (art. 165, §9º, II, da CF).

Vejam algumas questões de concursos anteriores relacionadas à obrigatoriedade de a União editar lei complementar no tocante às normas gerais de direito financeiro.

1.CESPE/PGE-BA/2014 - “O instrumento legislativo exigido pela CF, na esfera federal, para dispor sobre normas de finanças públicas é sempre a lei complementar.” Essa questão está correta porque a Constituição Federal (CF) prevê, em seu artigo 163 da CF que lei complementar deve disciplinar as finanças públicas e estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta.

2.CESPE/Analista/TCE-RJ/2021 - "A Lei n.º 4.320/1964, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços do poder público em geral, foi recepcionada com status de lei complementar pela Constituição Federal de 1988." Essa questão também está correta porque a Lei n.º 4.320/1964, apesar de ter sido editada antes da CF de 1988, foi recepcionada por esta como lei complementar, uma vez que trata de matérias reservadas a esse tipo de lei pela CF, conforme mencionado na questão anterior. Assim, a Lei n.º 4.320/1964 está em pleno vigor e só pode ser alterada por outra lei complementar.

3.CESPE/PGE-PI/2014 - "A Lei n.º 4.320/1964, apesar de ser lei ordinária, foi recepcionada pela CF com status de lei complementar, só podendo, hoje, ser alterada por lei dessa estatura." Essa questão está correta pelo mesmo motivo da questão do TCE-RJ/2021. A Lei n.º 4.320/1964 foi recepcionada pela CF como lei complementar e só pode ser modificada por outra lei desse mesmo nível.

4.CESPE/Analista/TCE-PR/2014 - "A lei que dispõe sobre finanças públicas e fiscalização financeira da administração direta e indireta é lei ordinária." Essa questão está errada porque a lei que dispõe sobre finanças públicas e fiscalização financeira da administração direta e indireta é lei complementar, conforme os artigos 163, I e V, da CF.

5.CESPE/TRF5/2011 - "Cabe a lei ordinária federal dispor sobre a fiscalização financeira da administração pública direta e indireta, bem como sobre operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos estados, do DF e dos municípios." Essa questão está errada porque cabe a lei complementar federal dispor sobre essas matérias, conforme os artigos 163, V e VII, da CF.

Além das normas gerais sujeitas a lei complementar, a União, assim como os Estados e Municípios, também tem competência para legislar sobre suas próprias finanças públicas, com a edição do plano plurianual (PPA), da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentáriai Anual (LOA).

BIBLIOGRAFIA

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