Atividade Financeira do Estado
- Edilson Filho
- 2 de dez. de 2023
- 11 min de leitura
Atualizado: 11 de dez. de 2023

1 - CONCEITO E ÂMBITO
A atividade financeira do Estado refere-se ao conjunto de ações e processos realizados pelo Estado para gerenciar os recursos financeiros necessários para o funcionamento da administração pública e para a promoção do bem-estar da sociedade, abrangendo várias etapas:
Obtenção de receita pública: Nessa etapa, o Estado busca arrecadar recursos financeiros por meio de impostos, taxas, contribuições, entre outras fontes de receita. Essa obtenção de receita é fundamental para financiar as despesas públicas e as políticas governamentais. O Estado pode recorrer também a empréstimos (crédito público) para obter recursos adicionais quando as receitas próprias são insuficientes para atender às despesas públicas. Esses empréstimos podem ser realizados junto a instituições financeiras nacionais e internacionais, organismos multilaterais, emissão de títulos públicos, entre outras modalidades. Os recursos obtidos por meio dos empréstimos públicos são utilizados para financiar investimentos, políticas públicas ou para cobrir déficits orçamentários temporários.
Planejamento orçamentário: O Estado realiza o planejamento de suas receitas e despesas por meio do orçamento público. O orçamento estabelece a previsão de arrecadação e alocação dos recursos financeiros para as diversas áreas e programas governamentais. É uma ferramenta fundamental para o controle e a organização das finanças públicas.
Execução das despesas públicas: Com base no planejamento orçamentário, o Estado realiza a execução das despesas públicas. Isso envolve a alocação dos recursos financeiros para os diversos setores, como saúde, educação, segurança, infraestrutura, entre outros.
Gestão e controle dos recursos financeiros: O Estado é responsável por gerir e controlar os recursos financeiros, garantindo sua aplicação adequada e eficiente. Isso inclui o acompanhamento das receitas e despesas, a fiscalização dos gastos públicos, a prestação de contas à sociedade e a adoção de medidas para prevenir e combater a corrupção e o mau uso dos recursos públicos. Nos últimos anos, ganhou destaque a gestão dos limites da dívida pública, que se refere ao montante de recursos que o Estado toma emprestado para financiar suas atividades e cumprir suas obrigações. A gestão da dívida pública envolve a definição de limites e políticas para contrair empréstimos, bem como o monitoramento do endividamento público. O objetivo é garantir a sustentabilidade da dívida e evitar situações de superendividamento que comprometam a estabilidade econômica e financeira do Estado.
2 - FINALIDADE
A atividade financeira do Estado busca uma maior eficiência na aplicação dos recursos públicos disponíveis, com o objetivo satisfazer o interesse público, promover o bem comum e concretizar as ações de responsabilidade estatal. Tal atividade é considerada instrumental, ou seja, é um meio para alcançar fins específicos, e não um fim em si mesma.
Dessa forma, a atividade financeira do Estado tem como principais finalidades:
Satisfazer o interesse público: O Estado utiliza os recursos financeiros para implementar políticas públicas, oferecer serviços essenciais à população, promover o desenvolvimento econômico e social, garantir direitos e proteger a coletividade. A atividade financeira busca alocar os recursos de forma eficiente, direcionando-os para áreas prioritárias e necessidades públicas, de modo a atender as demandas da sociedade de forma adequada.
Promover o bem comum: A atividade financeira busca contribuir para o bem-estar coletivo, buscando melhorar a qualidade de vida da população e promover a justiça social. Isso envolve a distribuição equitativa dos recursos, o combate à desigualdade, a promoção da inclusão social e a criação de oportunidades para todos. O Estado utiliza os recursos financeiros para investir em áreas como educação, saúde, infraestrutura, segurança, entre outros, visando o benefício da sociedade como um todo.
Concretizar as ações de responsabilidade do Estado: O Estado tem diversas responsabilidades, como garantir a segurança, fornecer serviços públicos, promover o desenvolvimento econômico, regular a atividade econômica, entre outras atribuições. A atividade financeira é fundamental para viabilizar essas ações e cumprir os compromissos estatais, fornecendo os recursos necessários para o desempenho efetivo das funções do Estado.
3 - PRINCÍPIOS
3.1 - Legalidade
A legalidade é o princípio fundante da Administração Pública. Ele estabelece que a atuação do Estado em matéria financeira deve ocorrer dentro dos limites estabelecidos pela lei. Isso significa que todas as ações relacionadas à atividade financeira do Estado devem estar respaldadas por normas jurídicas específicas.
De acordo com o princípio da legalidade, nenhum ato financeiro pode ser realizado sem uma previsão legal que o autorize. Isso garante a segurança jurídica, a transparência e a regularidade das ações do Estado no que diz respeito ao uso, arrecadação e gestão dos recursos públicos.
Em relação ao direito financeiro, o princípio da legalidade se manifesta de diversas formas. Ele determina que o orçamento público, que é o instrumento de planejamento e controle das finanças públicas, deve ser elaborado e aprovado por meio de lei específica. Essa lei estabelece as receitas e despesas do Estado, bem como as políticas de aplicação dos recursos públicos.
Além disso, o princípio da legalidade implica que a arrecadação de tributos e demais fontes de receitas públicas só pode ser realizada com base em leis que determinem sua instituição, cobrança e destinação. Os contribuintes têm o direito de conhecer as obrigações tributárias a que estão sujeitos e os critérios utilizados para a cobrança dos impostos.
No âmbito da despesa pública, o princípio da legalidade exige que os gastos do Estado sejam devidamente autorizados e respaldados por leis específicas. Isso inclui a observância de normas e procedimentos para a contratação de fornecedores, a realização de licitações e a prestação de contas.
Em suma, o princípio da legalidade estabelece que toda a atividade financeira do Estado deve ser realizadas com base em lei. Isso assegura a conformidade das ações do Estado com o ordenamento jurídico, promove a transparência, a regularidade e a responsabilidade na gestão dos recursos públicos.
3.2 - Economicidade
O princípio da economicidade é um desdobramento do princípio da eficiência estabelecido no artigo 37 da Constituição Federal do Brasil. Ele visa garantir que os recursos públicos sejam utilizados da forma mais eficiente possível, buscando maximizar os resultados e evitar desperdícios.
De acordo com o princípio da economicidade, o administrador público deve analisar a qualidade do gasto público, ou seja, ele deve avaliar o custo-benefício entre a despesa realizada e os resultados obtidos. Isso significa que é necessário considerar não apenas o valor financeiro envolvido, mas também o impacto e a efetividade das ações realizadas com tais recursos.
A economicidade tem como objetivo principal evitar o desperdício de recursos públicos. Isso ocorre porque os recursos disponíveis para a administração pública são limitados, e é necessário utilizá-los de maneira responsável e eficiente. Nesse sentido, o administrador público deve buscar alternativas que proporcionem os melhores resultados com o menor dispêndio possível.
O administrador público deve levar em consideração fatores como a escolha de fornecedores ou prestadores de serviços mais eficientes e economicamente viáveis, a utilização de tecnologias que otimizem os processos administrativos e a busca por soluções que reduzam custos sem comprometer a qualidade dos serviços prestados.
Dessa forma, o princípio da economicidade contribui para uma gestão pública mais eficiente, direcionada para a obtenção de resultados positivos, dentro dos limites de recursos disponíveis. Busca-se, assim, a racionalização dos gastos públicos, evitando o desperdício, a má utilização de recursos e promovendo uma administração eficiente e responsável.
3.3- Legitimidade
A legitimidade refere-se à aceitação e reconhecimento social de um determinado ato ou medida tomada pelo Estado. É um conceito que vai além da mera legalidade, pois considera aspectos éticos, morais e de justiça envolvidos nas ações do poder público.
Na atividade financeira do Estado, o princípio da legitimidade implica que os gastos públicos devem ser avaliados não apenas sob a ótica da legalidade estrita, mas também em relação aos valores e interesses da sociedade. Um gasto pode ser legalmente autorizado, mas, se for percebido como injusto, desnecessário ou contrário aos princípios e valores da coletividade, pode ser considerado ilegítimo.
Por exemplo, um gasto público que beneficie apenas uma parcela privilegiada da sociedade, em detrimento da maioria, pode ser considerado legal, mas não legítimo, pois não atende ao interesse público de forma equânime e justa. Da mesma forma, gastos que violem direitos fundamentais, sejam excessivamente onerosos ou que não estejam em consonância com as necessidades prioritárias da população também podem ser questionados quanto à sua legitimidade.
A consideração da legitimidade na atividade financeira do Estado é fundamental para garantir a confiança, transparência e responsabilidade na gestão dos recursos públicos. Os governantes e gestores devem estar atentos não apenas à legalidade das ações, mas também à sua consonância com os valores e interesses da sociedade, buscando promover uma administração pública ética, eficiente e alinhada com o bem comum. Isso envolve a participação cidadã, a prestação de contas e a avaliação constante das decisões financeiras do Estado, visando a legitimidade das ações governamentais.
3.4 - Responsabilidade fiscal intergeracional
O princípio da responsabilidade fiscal intergeracional está relacionado ao uso responsável e sustentável dos recursos públicos, levando em consideração não apenas o interesse da geração atual, mas também o das futuras gerações. A ideia apresentada destaca que as receitas, despesas e créditos devem ser geridos não apenas em curto prazo, mas também com foco na sustentabilidade financeira a médio e longo prazos.
A responsabilidade fiscal intergeracional envolve alguns aspectos-chave:
Sustentabilidade financeira: Significa que o Estado deve evitar déficits excessivos e endividamento descontrolado, buscando garantir que as despesas sejam financiadas de forma equilibrada e que a dívida pública seja gerenciada de maneira sustentável. Isso implica em adotar medidas de controle dos gastos, busca por fontes de receita adequadas e monitoramento da capacidade de pagamento futura.
Investimento em capital humano: Destaca a importância de direcionar recursos para o desenvolvimento humano, como educação, saúde e bem-estar da população. Esses investimentos são essenciais para garantir o desenvolvimento sustentável e a capacidade produtiva das gerações futuras.
Uso responsável do crédito público: Reconhece que o crédito público pode ser uma ferramenta útil para financiar investimentos e suprir necessidades de curto prazo, mas seu uso deve ser cuidadoso. O mau uso do crédito público pode levar ao esgotamento das fontes que devem amparar os investimentos em capital humano, comprometendo a sustentabilidade financeira e a capacidade de atender às demandas futuras.
O Direito Financeiro desempenha um papel importante na análise e implementação desses direitos, garantindo que as decisões financeiras estejam alinhadas com a proteção e promoção dos interesses das presentes e futuras gerações. A responsabilidade fiscal intergeracional visa assegurar que as finanças públicas sejam administradas de forma responsável e sustentável, protegendo os direitos sociais e garantindo um futuro próspero para todos.
3.5 - Transparência
O princípio da transparência na atividade financeira da administração pública vai além da mera publicidade dos atos e informações relacionados às finanças governamentais. Ele também abrange a necessidade de transmitir essas informações de forma clara, compreensível e acessível para a população em geral, de modo que as pessoas possam entender e utilizar essas informações de maneira efetiva.
A transparência é um princípio fundamental para promover a accountability (prestação de contas) e a participação cidadã na gestão dos recursos públicos. Ela visa garantir que os cidadãos tenham acesso às informações sobre as finanças governamentais, incluindo receitas, despesas, contratos, licitações, orçamentos e outros aspectos relevantes.
No entanto, a transparência vai além da simples disponibilização de dados. É necessário que essas informações sejam apresentadas de maneira compreensível, utilizando linguagem clara e acessível ao público em geral. Isso significa evitar jargões técnicos e termos complexos, utilizando uma linguagem simples e direta, de modo que a população possa entender facilmente as informações financeiras do governo.
Além disso, a transparência deve incluir a apresentação das informações de forma organizada e estruturada, permitindo que os cidadãos possam fazer análises e avaliações sobre as finanças públicas. Isso pode envolver o uso de relatórios financeiros claros e concisos, demonstrativos contábeis compreensíveis e ferramentas interativas que facilitem a visualização e o entendimento dos dados financeiros.
Ao tornar as informações financeiras transparentes e compreensíveis, a administração pública promove a participação e o engajamento dos cidadãos na fiscalização e no monitoramento dos recursos públicos. Isso contribui para a prevenção da corrupção, o combate ao mau uso dos recursos, a identificação de irregularidades e a promoção da eficiência e eficácia na gestão financeira do Estado.
A transparência na atividade financeira da administração pública é, portanto, um elemento-chave para fortalecer a confiança na governança e para permitir que os cidadãos exerçam seu papel de controle social e tomada de decisões informadas em relação às finanças públicas.
3.6 - Mínimo existencial e reserva do possível
O mínimo existencial e a reserva do possível são conceitos relacionados à distribuição dos recursos públicos e à limitação dos direitos em face das restrições orçamentárias. Não há recursos suficientes para atender todas as despesas desejadas, o que requer um racionamento e uma distribuição equitativa dos recursos públicos.
O mínimo existencial refere-se ao núcleo dos direitos individuais e coletivos assegurados pela Constituição Federal, considerados essenciais e fundamentais para a existência humana, como alimentação, moradia, saúde, educação e acesso à justiça. O mínimo existencial é garantido constitucionalmente e não pode ser negligenciado em razão de limitações orçamentárias.
Já a reserva do possível é um princípio que reconhece que o Estado tem recursos financeiros limitados e deve fazer escolhas para alocar esses recursos de forma eficiente e equilibrada. Diante da escassez de recursos, é necessário estabelecer critérios rígidos e objetivos para determinar quais interesses têm maior proteção constitucional e prioridade na alocação de recursos.
A aplicação da reserva do possível significa que o Estado só pode ser exigido a realizar aquilo que seja possível dentro das suas limitações financeiras. Isso implica que, em determinadas situações, não será possível atender a todos os direitos e demandas existentes, especialmente quando comprovada a inexistência de recursos suficientes.
No entanto, é importante ressaltar que a reserva do possível não pode ser utilizada como um argumento para a negação sistemática e arbitrária de direitos. Ela deve ser aplicada de maneira proporcional e ponderada, levando em consideração a importância e a urgência dos direitos em questão, bem como a possibilidade de implementação gradual das políticas públicas.
Em resumo, o mínimo existencial representa a garantia dos direitos fundamentais e condições mínimas para uma vida digna, enquanto a reserva do possível reconhece a limitação dos recursos e a necessidade de fazer escolhas na alocação desses recursos. É necessário buscar um equilíbrio entre a garantia dos direitos e as restrições financeiras, priorizando os interesses mais essenciais e buscando a implementação progressiva das políticas públicas.
3.7 - Federalismo fiscal
O federalismo fiscal refere-se à organização e distribuição das competências financeiras e fiscais entre os diferentes níveis de governo dentro de um sistema federativo. Destaca-se a importância da justa arrecadação e distribuição das receitas para assegurar o exercício adequado das competências federativas, bem como garantir a autonomia dos entes que compõem a federação e o cumprimento de suas obrigações constitucionais.
Em um sistema federativo, como o do Brasil, existem diferentes níveis de governo, como o governo federal, os governos estaduais e os governos municipais. Cada um desses entes possui suas próprias competências e responsabilidades, incluindo a prestação de serviços públicos, a implementação de políticas e a arrecadação de receitas.
O federalismo fiscal busca estabelecer um equilíbrio entre a autonomia dos entes federativos e a necessidade de coordenação e solidariedade fiscal. Isso implica que os diferentes níveis de governo devem ter a capacidade de arrecadar recursos financeiros de forma suficiente para exercer suas competências constitucionais.
A justa arrecadação e distribuição das receitas são fundamentais para garantir a autonomia financeira dos entes federativos. Isso significa que cada nível de governo deve ter a capacidade de arrecadar recursos de acordo com suas competências, evitando dependências excessivas de transferências financeiras de outros níveis de governo.
Além disso, a distribuição das receitas também deve levar em consideração critérios de equidade, de forma a garantir uma distribuição justa dos recursos entre os diferentes entes federativos. Isso pode envolver mecanismos de equalização fiscal para mitigar desigualdades regionais e assegurar que os entes com menor capacidade de arrecadação possam cumprir suas obrigações constitucionais e prestar serviços públicos adequados.
A efetivação do federalismo fiscal requer diálogo, cooperação e pactuação entre os diferentes níveis de governo, bem como a observância dos princípios constitucionais de repartição de competências e recursos. A busca por uma arrecadação e distribuição justas das receitas fortalece a estrutura federativa e contribui para a construção de um sistema mais equitativo e eficiente de governança pública.
BIBLIOGRAFIA
ABRAHAM, Marcus. Curso de Direito Financeiro Brasileiro. 5. ed., rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
CARNEIRO, Claudio. Curso de Direito Tributário e Financeiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
CAROTA, José Carlos. Manual de Direito Tributário e Financeiro Aplicado. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2020.
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 27. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2018.
LEITE, Harrison. Manual de Direito Financeiro. Salvador: Juspodivm, 2023.
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.
PASCOAL, Valdecir. Direito Financeiro e Controle Externo. São Paulo: Método, 2018.
PISCITELLI, Tathiane. Direito financeiro. 6. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.
RAMOS FILHO, Carlos Alberto de Moraes. Direito Financeiro Esquematizado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Financeiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2019.